Manifesto dos Professores de Ciências Humanas de Guaianases e Cidade Tiradentes contra a MP 746 – Reforma do ensino médio.

Publicado: 18/11/2016 em Reflexões

A conquista do direito a educação pública de qualidade sempre foi uma das reivindicações mais importantes dos trabalhadores brasileiros. Sempre tivemos consciência de que, se uma boa escola não resolve sozinha os problemas de um país , sem ela não construiremos uma sociedade democrática nem tampouco combateremos a histórica desigualdade social presente desde os primórdios do Brasil.
Se ainda não alcançamos a escola de nossos sonhos também é verdade que avançamos bastante na conquista desse direito. Conquistamos uma legislação que institucionalizou o acesso desde a Educação Infantil até o Ensino Médio e, aos poucos, vimos aumentar o número de filhos dos trabalhadores nas universidades, inclusive com o advento de cotas raciais que minimizaram as barreiras para negros e índios alcançarem o nível superior.
Os novos atores do processo educacional trouxeram para as salas de aula a reflexão sobre problemas outrora esquecidos no currículo e no cotidiano escolar e o Brasil, com suas potencialidades e contradições, se encontrou na escola colocando para professores, alunos, o poder público e a própria sociedade a difícil tarefa de promover a inclusão de parcelas marginalizadas do povo brasileiro.

A contribuição das Humanidades e seu desprestígio na reforma do Ensino Médio

Reconhecemos não ter o monopólio do debate acerca das desigualdades na sociedade brasileira mas reivindicamos o mérito da História, da Geografia, da Sociologia e da Filosofia em focalizar, até por constituir os fundamentos das Ciências Sociais, a reflexão sobre a constituição e o caráter da sociedade brasileira e do mundo contemporâneo.
A redução e a exclusão das Humanidades no currículo do Ensino Médio, imposta pela MP 746, revela o verdadeiro objetivo da Reforma do Ensino Médio : terceirizar, privatizar e priorizar a formação de mão-de-obra barata para o mercado de trabalho e ainda reduzir a demanda e as possibilidades de acesso ao nível superior das camadas historicamente marginalizadas na medida em que, tanto o acesso – via vestibular – quanto a permanência na universidade requerem uma formação geral e um nível de informação técnica e cultural que instrumentalize o estudante e o futuro profissional a encontrar respostas para os problemas colocados pela revolução técnico-científica, seja qual for o curso escolhido.
Se, por um lado, não defendemos um Ensino Médio meramente preparatório para o vestibular também rechaçamos o caráter de terminalidade imposto pela MP 746, que empobrece o currículo da etapa e que tem como objetivo encaminhar grande parcela de nossa juventude para cursos técnicos aligeirados que atenderiam interesses imediatos do mercado de trabalho mas que formariam trabalhadores cujas tarefas/funções seriam rapidamente superadas pela revolução tecnológica.

Por que o aluno abandona o Ensino Médio ?

Alegando a intenção de enfrentar a evasão e a suposta falta de interesse dos jovens em relação ao Ensino Médio, o Governo Temer impõe, através da MP 746, uma falsa liberdade de escolha a alunos de 15 ou 16 anos que seriam obrigados a “escolher” uma área de estudo e a abrir mão de uma formação geral que passaria a não existir mais, pelo menos na rede pública.
O Ministério da Educação parece desconhecer a natureza da adolescência. Se para um jovem concluinte do Ensino Médio que deseja cursar uma faculdade já é difícil escolher uma carreira e é grande o número daqueles que desistem ou mudam de curso, imagina-se quando esta decisão é antecipada para o início da adolescência. Parece claro que será a senha para convencer os mais pobres de que a suposta empregabilidade, que seria proporcionada pelos cursos técnicos – ou seriam profissionalizantes implantáveis com menor recurso material e docentes com ”notório saber”? – substituiria um projeto de vida que passaria pelo curso e pela vivência universitária.
Boa parte de nossos alunos já frequentam cursos técnicos , profissionalizantes e outros itinerários de formação (cursos de idiomas, formação em atividades esportivas e culturais sistematizadas, entre outros) no contraturno. Se
para estes “privilegiados” qualquer redução do currículo já causaria prejuízo em sua formação ,para os outros que não tem estas oportunidades a “escolha” do que oferece o “novo Ensino Médio” da MP 746,empobrecido e aligeirado, será a única alternativa. Diminuir o tempo e a qualidade da etapa não a tornará “menos chata e desinteressante”, contrariamente ao que argumentam os defensores da Medida Provisória.
Se o ministro da Educação tivesse a prática e a preocupação de consultar alunos, pais e os verdadeiros especialistas em educação, os professores que estão nas escolas, poderia identificar que “além da chatice do curso e do desinteresse dos alunos” existem razões internas às escolas (falta e sobrecarga de trabalho dos docentes, ausência de laboratórios e espaços de lazer e cultura) e também na vida em sociedade : desemprego, violência, o imediatismo do consumismo e do individualismo , a desesperança no futuro, a desconfiança nas instituições.
Se aprovada, a MP 746 poderá agravar ainda mais a evasão e a retenção comprometendo o objetivo de elevar a escolaridade de nossos jovens e corroborando a naturalização da desigualdade social e a meritocracia.

O trabalho por Área de Conhecimento, a redução da carga horária e a exclusão de disciplinas

A MP 746 impõe a redução do tempo destinado a formação geral, ou seja, a “…carga mínima anual de 800 horas, distribuída em 200 dias letivos…” (artigo 24, I, da LDB), totalizando 2400 horas nos três anos letivos, seria reduzida para “… mil e duzentas horas de carga horária total do ensino médio, de acordo com a definição do sistema de ensino.”(MP 746, Art. 1º, § 4º ).
O texto, em acordo com os secretários estaduais de educação, reduz em 50% o tempo de contato dos alunos com as disciplinas hoje existentes e ainda delega a estes a organização por Áreas de Conhecimento, mantendo como obrigatórias nos três anos apenas Língua Portuguesa, Matemática e Inglês.
Além de Filosofia e Sociologia, a MP 746 exclui a obrigatoriedade de Artes e Educação Física. Diante das cobranças, o MEC afirmou que estas disciplinas poderiam ter espaço no currículo, a depender do entendimento da BNCC – Base Nacional Curricular Comum, a ser reformulada pelo MEC mas não alterou o texto da MP, mantendo sua possível implementação sujeita a vontade de cada secretário estadual de educação. Se hoje já temos apenas uma aula de Geografia, no Ensino Médio noturno da rede estadual paulista, imagina-se como ficará a situação com a redução em 50% do tempo destinado a formação geral.
Aliás, diferentemente do entendimento do Governo Temer, que reforça a fragmentação do conhecimento, entendemos “…que a organização por áreas de conhecimento não dilui nem exclui componentes curriculares com especificidades e saberes próprios construídos e sistematizados, mas implica no fortalecimento das relações entre eles e sua contextualização para apreensão e intervenção na realidade, requerendo planejamento e execução conjugados e cooperativos dos seus professores.”(CNTE;2016)
Protestamos contra a Reforma do Ensino Médio, na forma e nos termos ditados pela MP 746, que, combinados com a aprovação da PEC 241,representará um retrocesso nas conquistas de direitos ao serviço público e representam um duro golpe na luta contra a desigualdade social e na busca de uma educação pública de qualidade.
São Paulo, 15 de Outubro de 2016
Assinam este documento os seguintes professores da Rede Municipal de Ensino da Cidade de São Paulo:
Romildo Rodrigues, Marcelo Eduardo Pavan, Paloma Lacerda, Roberto Tiago, Ana Assunção, Jorge Messa, Vitor Hugo de Morais Ribeiro, José Flávio da Silva, Marcia Cristina de Oliveira, Eloiza dos Reis Soares, Ana Rosa Julião Xavier, Edson Luis Amário, Erickson de Almeida Soares, Lilian Pereira da Silva Freitas, Lucas Moço Leutwiler de Giacomo Oliveira, Telma Agripina de Souza, Jorge Perez, Roberto Henrique de Souza

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